quarta-feira, 29 de junho de 2011

Porque sucessor de Pedro?

Por: CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID - Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
Neste tempo, em que acabamos de comemorar o Dia do Papa, não podemos deixar de fazer uma reflexão, ainda que breve, sobre São Pedro e o seu 265º sucessor, o nosso querido Bento XVI.
Pedro foi um homem que esteve muito próximo de Jesus, praticamente aos seus pés, durante todo o tempo em que percorreram os caminhos da evangelização. Através daquela convivência, suas imperfeições humanas foram sendo buriladas, culminando com o acolhimento ao dom do Espírito Santo, que o configurou ao Mestre, até mesmo no cálice do martírio.
Podemos fazer uma síntese dos momentos mais marcantes da vida de Pedro, a começar pelo chamado feito por Jesus, descrito logo no início do Evangelho de João: “Fixando nele o olhar, disse: ‘Tu és Simão, filho de João; serás chamado Cefas (que quer dizer pedra)’” (Jo 1,42).
Por ocasião do discurso sobre a Eucaristia, Jesus fala de si mesmo como verdadeiro Alimento espiritual. Diante da incompreensão e do afastamento de muitos discípulos, Ele dirige a pergunta aos Doze: “Quereis vós também retirar-vos?” Falando em nome dos demais, Pedro responde com uma belíssima profissão de fé, inspirada pelo próprio Deus: “Senhor, a quem iríamos nós? Só Tu tens palavras de vida eterna. E nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus!” (Jo 6,67-69).
O Evangelista Mateus narra outra afirmação de fé do Apóstolo, a respeito da identidade de Jesus, freqüentemente tomado por um simples profeta: “‘E vós, quem dizeis que eu sou?’ Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!’” (Mt 16,15-16).
A fé é a condição fundamental de resposta ao chamado do Senhor. Mediante a profissão de Pedro, o próprio Cristo lhe confere o Primado sobre toda a Igreja: “Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,18-19). Esta é a Igreja Católica, que permanece firme e fiel ao seu Senhor, apesar de todas as vicissitudes históricas, pelas quais tem passado.
Aproximando-se o termo da missão de Cristo, encontramos os diversos exemplos e recomendações de despedida, que Ele deixa aos Apóstolos. O mais marcante foi, sem dúvida, aquele descrito no episódio do Lava-Pés: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós”. Todos conhecemos a apressada mudança de disposição de Pedro, que passa da negativa: “Jamais me lavarás os pés!”, para a aquiescência exagerada: “Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça”. Percebemos que o Apóstolo ainda não compreende a plena dimensão daquele gesto porém, uma vez mais, a fé no Senhor e o desejo de segui-lo é que o guiam (cf. Jo 13,1-15).
O episódio da Paixão registra o momento de maior fraqueza de Pedro, com a tríplice negação do Senhor Jesus, diante dos inimigos. Mas, num dos encontros com Jesus Ressuscitado, a igualmente tríplice profissão de amor irá redimi-lo, definitivamente. Notemos que o grau de exigência de Jesus para com Pedro é grande, à altura do que lhe será confiado: “Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?” Mediante a repetição da pergunta, Jesus exige compromisso e fidelidade. Pedro responde, entristecido: “Senhor, Tu sabes que te amo”. Sua fé, tantas vezes manifestada, agora é corroborada pelo amor.
Pela entrega radical, Pedro está apto a receber o ministério de apascentar o rebanho de Cristo (cf. Jo 21,15-19). Antes da vinda do Espírito Santo, ele já demonstra consciência de ser Vigário de Cristo na terra e Chefe do Colégio Apostólico. Conforme nos é referido nos Atos dos Apóstolos, ele cuida para que Matias suceda a Judas Iscariotes, o traidor (cf. At 1,15ss). Preside a eleição e o agrega ao Grupo dos Onze que, assim, retoma o número tradicional das doze tribos de Israel.
No dia de Pentecostes, Pedro encontra-se reunido com a Mãe de Jesus e mais 120 discípulos, aguardando aquele grande acontecimento da história de nossa salvação – a vinda do Espírito Santo. A partir de então, testemunhamos a força da pregação de Pedro às multidões, a sua inquestionável ascendência sobre os demais Apóstolos e a importância de sua autoridade na Igreja, como ficou demonstrado em tantos episódios, narrados pelos Atos dos Apóstolos como, por exemplo, o Concílio Apostólico de Jerusalém (cf. At 15,4-21).  
A tradição nos ensina que Pedro foi o primeiro Bispo de Roma, cidade onde morreu mártir, provavelmente no ano 64, época da perseguição empreendida pelo inqualificável imperador Nero contra os cristãos. Desde aquele tempo, a seqüência ininterrupta de sucessores de Pedro nos traz até aos Papas do nosso tempo. Dentre estes, Deus me concedeu a graça de conhecer Pio XII, herói silencioso do período da Segunda Guerra Mundial, João XXIII e Paulo VI, aqueles que conduziram o Concílio Vaticano II, o fato mais memorável do século passado, em nossa opinião.
Pessoalmente, tive, ainda, a honra de privar da amizade do Papa João Paulo II, que me confiou as maiores responsabilidades do meu ministério episcopal: a Diocese de São José dos Campos (SP), o Arcebispado de Florianópolis, do Rio de Janeiro e o Cardinalato. Mantivemos contacto profundo com aquele saudoso Papa durante todo o seu longo e fecundo Primado, cujo Magistério plasmou a feição da Igreja e influenciou o mundo inteiro, na segunda metade do século passado. Por isso, encontro-me entre os defensores da iniciativa de lhe atribuir o merecido título “o Grande”, ou “Magno”, que testemunhará, para as futuras gerações, sua memorável obra, inconfundível e perene.
Agora, temos a bênção de contar com a rocha firme, sobre a qual se fundamenta a Igreja, construída a partir da visibilidade de Cristo, na pessoa de Bento XVI - homem de cultura e sabedoria invejáveis, um dos maiores, senão o maior, teólogo do nosso tempo. Sua experiência se acumulou, ao longo dos anos, como Professor Catedrático, Arcebispo de Munique, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, fiel e incansável colaborador mui próximo a João Paulo II. 
Além de tudo, tem grande facilidade de comunicação, como seu antecessor. Bento XVI pode ser definido como a gentileza em pessoa, um músico, cuja arte, certamente, favorece a empatia espontânea e fácil com o público. Tanto sua reflexão teológica, quanto o ensinamento de seu Magistério, têm dado origem ao que há de melhor e mais sublime na literatura eclesiástica atual, verdadeira Sabedoria divina, filtrada em linguagem humana lindíssima e contagiante.
Que Deus o abençoe e conserve, para o bem das ovelhas do rebanho de Cristo, que ele apascenta, segundo o exemplo de Pedro, e conforme o mandato do próprio Pastor Supremo, nosso Salvador Jesus Cristo.

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